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Publicado o 2021-12-19

Colhes umha pedra e começam as perguntas. Primeiro, o enigma do seu tato. Essa rugosidade com propósito de pel indestrutível, blindada contra todo. A seguir, o mistério da sua dureza; essa solidez que intervém de súpeto nos nossos dedos, umha consistência que chama a nom claudicar nunca. E afinal, o mais importante: o segredo da sua origem. Umha pedra sempre parece caída das alturas, um material deslocado que nom acaba de estar mui convencido da sua presença na terra, mas ao que jamais te atreverias a questionar a sua existência quando ainda ninguém respirava. Umha rocha na cima dum outeiro, por exemplo, nunca deixa de advertir-nos de que leva toda a vida em constante vigiláncia. E um leixom ou um penedo, observados com assombro, trazem à memória a mesma perplexidade de quem antes já se perguntou pola inspiraçom que os chantou ali. Levamos tempo servindo-nos das pedras para assuntos solenes, desde o seu uso em ritos de fertilidade até outros destinos que chegam aos nossos dias, como as cerimónias funerárias ou outras tradiçons. Mas o seu simbolismo nom lhe arrebata a sua principal virtude: a materialidade, a sua condiçom de ferramenta. Porque apanhas umha pedra do chao e seguem as perguntas. Queres saber, por exemplo, em que poderia resultar útil nesse intre. Adivinhar a sua aspiraçom secreta. Umha pedra pequena, um coio fortuito, chama a ser guindado ao longe com umha agitaçom individual do braço. Um pedrolo, para o seu uso satisfatório, já reclama a intervençom das amigas, umha açom em grupo, a lógica comunitária para termar juntos das cousas. E umha pedragueira, soma de seixos e pelouros, pede retomar a leitura simbólica: essas pedras ciscadas polo chao confirmam que a terra resiste. Vivemos instalados nas urgências diárias, arrastrados por umha sensaçom de que a vida está relativizada, como em suspenso. Seica é um sinal dos tempos. Mas pôr-se a mirar para as pedras, distinguir a sua feitura e calibrar a sua força, ou juntar-se ao redor dum penedo, contagiados da sua dureza, orgulhosos de resistir ao vento que nos bate na faciana, som açons que discutem essa impressom de vida aprazada. As pedras som memória, futuro, permanência. Umha dignidade sempre de guarda. Levam séculos com a razom da sua parte. Nom hai forma com elas, se quadra porque som umha obstinaçom necessária da história. A inteligência mais persistente da natureza. Pode estar todo em risco, com a corda ao pescoço, mas as pedras continuam aí. Apanhas umha pedra e começa de novo o mundo. [Diego Ameixeiras] ------ Peça musical baseada numha recolhida de Alan Lómax na Serra de Faramontaos, província de Ourense, a Antonio Pazos e outros canteiros anónimos no ano 1952 enquanto faziam o seu trabalho.

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